sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Açúcar




Hoje em dia a maior parte das pessoas não se dá conta do sofrimento que este produto causou no mundo para que hoje possa estar disponível no mercado a tão baixo preço. É daqueles produtos que a historia tanto se preocupou e tantos registos lhe deu.
Pouco sabemos sobre a origem do açúcar. Está identificado como originário da Índia e manuscritos chineses referem a presença da cana-de-açúcar já no século VII AC. Há também noticias da existência de cristais de açúcar na Índia no século V AC, que permitiam um melhor armazenamento e transporte. Ao que parece os chineses reivindicam a paternidade do açúcar. Segundo consta, foi neste continente que passou do caldo de cana-de-açúcar para cristais de açúcar, desenvolve-se então sua preparação e divulgação nas rotas comerciais da época que incluíam já, a navegação. No século V, foram os monges budistas da Índia que passaram para a China o ensino da plantação da cana-de-açúcar, o imperador Li Shimin torna-se interessado pelo açúcar. Segundo a História Natural, de Sukung, encontra-mos a seguinte transcrição "O imperador Tai-Hung enviou trabalhadores para que aprendessem a arte de fabrico do açúcar a Lyu (Índia) e sobretudo a Mo Ki To (Bengala)", no século VII. Reza a lenda que Buda é procedente do país do açúcar, Bengala. O açúcar era conhecido como "o mel que não necessita de abelhas" para ser fabricado. Mas também na Bíblia é referido como "doce cana" que ia do Oriente para o Ocidente em caravanas.
Dos Romanos que habitaram por nossas terras não temos qualquer indicação da existência de açúcar. Nas primeiras receitas que chegaram até nós só aparece o mel. Aqui, na Península Ibérica, o açúcar era já utilizado pelos mouros que o recebiam através do comércio do Mediterrâneo.
Em Portugal o açúcar de cana já era conhecido desde a sua fundação devido aos mouros, mas era apenas utilizado em Medicina, para problemas digestivos como a azia ou para questões emocionais. Ainda hoje utilizamos água com açúcar para acalmar os nervos.
D.João I, 1404, apoia a primeira plantação de cana-de-açúcar no Algarve, através do genovês Giovanni de Palma, mas sem sucesso. Acaba por ser na ilha da Madeira que se inicia a produção de cana-de-açúcar. Em 1496, D.João II, proíbe os estrangeiros de residirem na ilha da Madeira, com fins de manipulação e agiotagem sobre a manipulação açucareira local. O açúcar era tão importante, como novo produto, que D.João II acaba por destinar para a coroa o exclusivo da exportação destinada aos portos do Levante.
Após ter sido estabelecido o mapa da colonização do Brasil, 1530, é desenvolvida a plantação de cana-de-açúcar devido as qualidades dos terrenos e clima sabe-se que o primeiro engenho terá sido estabelecido em 1533. Mas só em 1545 é que se tem noticia concreta da exportação do açúcar brasileiro. Em 1628 é registado que o Brasil já conta com 235 engenhos, sendo que em 1629 já se encontram 346 engenhos registados. Olinda é considerada a capital açucareira. A riqueza conhecida do açúcar e a tentativa de assalto por piratas na travessia do Atlântico levaram D.Filipe III de Portugal a estabelecer uma carta régia para que os barcos carregados de açúcar do Brasil fossem agrupados em frotas, obrigatoriamente. Nesta época, padre António Vieira, 1608-1697,  que já tinha solicitado o regresso dos judeus a Portugal, manifesta-se novamente no Brasil em defesa dos indígenas, combate a escravatura, chegando mesmo a defender a sua abolição. "Se adoçais a boca com o açúcar, não é doce o que tomais, mas é fel, é verdadeiro e humano; e se o tendes posto em alguma bebida, o que bebeis é sangue."
No reinado de D.Manuel I é proibida a venda de doçaria a homens, como forma de controlar o seu consumo excessivo.É então criada a profissão de "alfeloeiras". Nas Ordenações Manuelinas escreveu-se que "algumas mulheres podem vender alféloa, nas ruas ou praças, como em suas casas, ou pousadas, sem que sofram qualquer pena por isso." Entretanto, conhecidas as instalações de novos conventos, e facilitado o acesso a membros da família real e da alta nobreza, serão as cozinheiras e empregadas dessas meninas que irão desenvolver o que se chama doçaria conventual.
Em 1751 é conhecida a Henrique Smith, a primeira fábrica de refinação de açúcar, em Lisboa, seguindo-se a segunda dois anos depois, Manuel Leitão de Oliveira, também em Lisboa. Em 1758 no Brasil, os índios são libertados. Possivelmente pelo excesso de produção é proibida a cultura de cana-de-açúcar no estado do Maranhão. Em Portugal, 1761, é abolida a escravatura e declarados libertos os escravos que entrarem em Portugal. No Brasil registou-se apenas em 1888, já independente desde 1822, e que possivelmente precipitou o fim do império. Em 1770, é concedida a licença para a primeira refinaria no Porto, propriedade de João Batalha Freire. Em 1834, dá-se a extinção das ordens religiosas, data que veio determinar a saída de receituário para fora dos conventos que marca também o decréscimo da criatividade posterior de grande doçaria, à excepção do pudim abade de Priscos, que apesar de não ser conventual, é um grande doce, possivelmente a melhor criação doceira depois da extinção das ordens religiosas.
O açúcar veio, de facto, a revelar-se o principal produto depois das Descobertas. Alterou o hábito dos portugueses e desenvolveu-se num quotidiano com tanta força que raramente nos damos conta disso.

Baseado em "Doces da nossa vida" de Virgílio Nogueira Gomes.

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